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16/11/2018 - Câncer

Eu simplesmente não posso morrer

Por: Carla Queiroz


Doutor, o senhor tem certeza que eu tenho Câncer? Será que o laboratório não se enganou? Sabe o que é doutor, eu não posso morrer! Meus filhos ainda dependem de mim e o que eles farão se eu morrer?

É verdade que eles já são adultos e todos já estão formados, mas o senhor sabe como é, nos dias de hoje as coisas não estão fáceis. O que eles ganham não dá para manter o padrão de vida que eles sempre tiveram!

Ainda tem minha netinha, aquela coisinha mais linda! Quem paga a escola dela sou eu. Minha filha não tem condições de mantê-la numa escola daquele padrão e eu gostaria que ela tivesse a mesma oportunidade que minha filha teve. Isso é pedir muito doutor?

Pelo menos me diga que é um tipo simples de Câncer, que eu opero e ficarei boa! Eu simplesmente não posso morrer, não agora! Preciso de mais tempo para organizar a vida de todos. Eles nem sabem como administrar os meus bens. Se eu morrer agora, eles irão torrar tudo achando que dinheiro cai do céu.

Doutor e eu trabalho! Como trabalho! Sempre foi assim, desde que me formei em odontologia, que não tenho um dia de folga! Pensando bem eu comecei a trabalhar fazendo bicos no laboratório da escola, fazendo próteses dentárias quando estava no quarto ano! Nossa! Como o tempo passa! E o que eu fiz para mim nesse tempo todo? Nunca parei para pensar nisso! E agora nem adianta pensar pois não tenho tempo! Meu tempo está terminando, mas eu ainda não posso morrer, doutor!

Pensando bem, até que não seria ruim, parar um pouco e cuidar de mim mesma! O que as pessoas vão dizer? E meus filhos, o que eles vão dizer!? Será que minha filha vai parar a vida dela para cuidar de mim? Será que eu serei um peso na vida deles a ponto de eles desejarem que eu morra logo? Que loucura, o que está acontecendo! Não! Isso deve ser só um sonho ruim! Quem sabe eu vou acordar e estará tudo bem!

Pois é, não é um sonho. A realidade me assusta, mas o que fazer? Melhor nem contar nada para meus filhos. Vou carregar sozinha e aproveitar o tempo que me resta para organizar tudo.

Organizar o que? A vida deles? E a minha? Quem vai organizar a minha vida? Já sei independente do tempo que me resta eu vou viver cada dia como se fosse o último. Vou me dedicar a fazer coisas que me dão prazer.  Quanto ao dinheiro, o que adianta ter dinheiro se não posso comprar mais uns 10 anos de vida?

Está passando da hora de meus filhos aprenderem a viver com aquilo que eles conseguem ganhar. Eu consegui construir tudo isso sozinha! Eles também conseguirão! Vou avisar todos que daqui para frente cada um estará por conta própria. Vamos ver quem morre antes. A preguiça deles trabalharem como eu trabalhei ou eu, de tanto trabalhar. Ou do câncer né doutor!

Doutor, eu queria te agradecer! No início fiquei chocada e inconformada com a notícia que o senhor me deu. Sabe que hoje posso dizer que estou até feliz? Foi preciso uma doença dessas para me fazer olhar para mim mesma e ver que tudo que eu estava fazendo para meus filhos, achando que era o melhor para eles, na verdade acabou fazendo deles pessoas dependentes.

Será que ainda dá tempo de dizer para eles que eles são capazes e que acredito que eles irão conseguir sem mim? Não dá para esperar, né doutor! Vou dizer isso agora!