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22/02/2019 - Coaching

Como Fazer Escolhas e Decisões

Por: Dr Fernando de Freitas

 
Júlio tem 34 anos e é formado em Psicologia numa ótima faculdade do Rio de Janeiro. Esse sempre foi seu desejo desde a adolescência após passar por um processo terapêutico. Apresentou crises de pânico aos 15 anos de idade. Ao mergulhar nas histórias emocionais infantis, encontrou um universo desconhecido dos traumas, mecanismos de defesas e dinâmicas do inconsciente. Esse evento abriu várias portas para seus objetivos pessoais e profissionais.

Na adolescência passou por vários momentos de tristeza e de um vazio estranho no seu corpo. Parecia que era o culpado de algo, mas não identificava a causa. Sua terapia o ajudou muito e o despertou para olhar com mais detalhes a história de sua família.

Desde a infância via seu pai infeliz e carregando a empresa familiar de agronegócio criada pelo seu avô materno numa pequena cidade no sul de Minas Gerais. Não se lembrava de ver qualquer sorriso no rosto do pai. O tom de voz era ríspido, raivoso e autoritário. Não tirava férias e sempre dizia que se sacrificava para dar o melhor para os filhos.

Aos 16 anos Júlio encontrou um álbum de fotos da época que seus pais eram noivos. Ao olhar para aquelas imagens desbotadas teve uma grande surpresa. Viu seu pai jovem, atrás do balcão da farmácia com um sorriso aberto e um rosto cheio de vida. As outras fotos da época tinham esse mesmo homem com a mesma expressão de alegria e realização.

Uma pergunta apareceu imediatamente: O que aconteceu com ele? Quando ele perdeu essa alegria? Encontrou mais fotos. As do casamento mostravam dois jovens felizes e amorosos. O nascimento da primeira filha ainda foi na mesma aura de felicidade. Na gravidez da segunda filha tudo mudou. Os olhos da mãe perderam o brilho e estavam marcados por tristeza e medo. Os olhos do pai também mudaram e mostravam preocupação, dor e dúvida. Aqui foi a mudança fundamental na vida dos seus pais.

As histórias começaram a se organizar na sua cabeça e conectou tudo que tinha ouvido sobre o passado familiar. Seu pai tinha uma farmácia e assumiu a empresa do sogro quando este desenvolveu um câncer de fígado. Sua mãe era filha única e nunca trabalhou. Seus pais mudaram para a casa dos avós maternos e até hoje moram lá. O avô faleceu após dois anos do aparecimento da doença e sua avó viveu com seus pais por mais quinze anos. Foi isto que mudou tudo.

Essa história o marcou profundamente. Mais e mais perguntas apareciam. Várias delas começavam com: “- E se…”: -E se meu pai não abrisse mão de sua farmácia? - E se eles não fossem morar com os avós? – E se os negócios do avô fossem vendidos e o meu pai continuasse com sua farmácia? – E se meus avós tivessem outros filhos? - E se minha mãe trabalhasse?

Seus sentimentos e pensamentos começaram a imaginar seu futuro. O que ele viveu e o que viu na história da sua família o atraíram para aprofundar a compreensão dos seres humanos. A psicologia brilhou como propósito de vida. Ao manifestar seus objetivos profissionais quando começou o cursinho para o vestibular, recebeu reações de decepção tanto do seu pai quanto da sua mãe. O primeiro esperava que o filho fosse seu sucessor na empresa familiar de agronegócio criada pelo avô materno do Júlio há 40 anos. Enquanto isso a mãe queria seguir a medicina, seu grande sonho: ter um filho médico.

A escolha do curso foi motivo de muitas discussões de toda família. Sua opção foi desqualificada de todas as formas possíveis:

– Isso não é coisa de homem!

– Não vai ganhar dinheiro!

– Quem vai cuidar da empresa que sustenta nossa família?

– O que adiantou gastar tanto dinheiro com escolas para virar nada?

– Sua vida já está pronta! Pra que inventar essa moda!

Pior que as falas eram a expressão facial e corporal de seus genitores. A mãe com cara de vítima e chorando pelos cantos. O pai bufando e olhando com desprezo e raiva. As tias, primos e irmãs tentando convencê-lo a mudar de opinião com inúmeros argumentos.

Júlio insistiu e conseguiu se formar e se especializar na abordagem Junguiana. Sua dedicação e capacidade fizeram com que fosse convidado por um dos professores a trabalhar com pessoas portadoras de distúrbios alimentares. Em um ano já se destacava profissionalmente e o caminho estava aberto para outras oportunidades. Tornou-se professor universitário e terapeuta com agenda lotada. Sua noiva é dona de uma agência de turismo e devem casar em cinco meses. A vida segue muito bem e a felicidade de ambos aumenta a cada dia. Muitos projetos pessoais, familiares e profissionais à vista.

Enquanto isso, naquela cidade do sul de Minas Gerais, sua família seguia outro caminho.

A irmã mais velha era solteira. Formou em Direito e nunca exerceu a profissão. Vivia com a mãe e dependia economicamente de seus pais. Sempre se queixava que precisava cuidar da mãe e que não havia trabalho para ela na cidade. Nunca namorou. Desenvolveu obesidade mórbida, hipertensão arterial, endometriose. É assistente do pai na empresa.

A segunda iniciou a faculdade de Odontologia, mas abandonou o curso no segundo ano após engravidar. Casou com o pai da criança que era gerente de banco. Hoje tem dois filhos mora na mesma cidade dos pais e não trabalha. Seu marido foi despedido há um ano. Ele entrou em depressão e o casamento ruiu. Há seis meses ocorreu o divórcio e voltou para a casa dos pais com seus filhos. Recebeu um cargo na empresa familiar para receber um salário. Passa mais tempo cuidando dos filhos e longe do trabalho.

A terceira fez Agronomia por desejo do pai. Ao terminar o curso foi trabalhar na empresa com ele, mas o relacionamento é cheio de conflitos. Seu marido é educador físico. Hoje ele também trabalha na empresa. Seu pai não queria, mas a influência da mãe foi decisiva para que o genro assumisse o setor de Compras da empresa. Há 1ano e meio ele é suspeito de desfalques na empresa. Continua trabalhando na mesma função, contra a vontade do pai.

Em janeiro de 2016 ocorreu um fato que mudou drasticamente o rumo da família. Seu pai teve um derrame que o impediu de tocar a empresa e sua mãe entrou em depressão logo após a doença do marido. A família o chamou com urgência para determinar o que deveriam fazer com os pais e a empresa. Sua mãe sempre mencionava o desejo dele voltar e assumir o controle da empresa. Vários jogos emocionais que iam do papel de vítima, para a sedução e, por vezes, a culpa. Só ele seria capaz de prosseguir com o sonho do avô que construiu o negócio para a família.

Júlio era o único profissional realizado. As irmãs e os genros eram infelizes com suas escolhas. Ele sabia que uma bomba iria estourar para cima dele assim que chegasse na cidade. Na viagem já imaginava a expressão de vítima da mãe. Assim como a de suas irmãs e sobrinhos que dependiam da empresa familiar. Um peso enorme apareceu nos seus ombros. Uma culpa tomava posse do seu coração. Estava completamente dividido. Seu futuro poderia ser o seu passado. O que faria da sua carreira profissional? E a mulher que amava? E seus sonhos de construir sua própria família?

Sua noiva nunca iria abrir mão do seu trabalho e nem ele queria isso. Sua vida corria o risco de ser destruída de uma hora para a outra. Sua mente estava tão confusa que, de repente, se viu entrando na traseira de um caminhão. Imediatamente brecou e desviou para o acostamento. Seu coração disparou e seu corpo inteiro tremia. Parou e esperou voltar ao normal. O que foi que aconteceu? Perguntava ele. O que estou fazendo?

Virou o espelho retrovisor para ver seu rosto e seus olhos chamaram a atenção. Algo familiar apareceu ao ver o medo, o desespero e a dor. A foto do seu pai no velho álbum surgiu na sua mente. Agora sou eu que passo pela mesma situação. Não, eu não quero isso! Duas culpas apareceram: a primeira era por jogar sua vida fora para cuidar e agradar sua família de origem; a segunda por deixar a família de origem e seguir sua própria vida e montar sua própria família.

Fechou seus olhos e se posicionou em cada uma das situações. Tudo era ruim, mas a pior de todas seria abrir mão dos seus sonhos, da sua profissão e da mulher que amava. Via os filhos que surgiriam e o amor de ser pai daqueles seres gerou uma sensação maravilhosa. Neste momento viu e ouviu dentro da sua alma a voz do seu pai e da sua mãe jovens e sorrindo olhando com amor para ele. A fala ecoou no coração. Eles falavam: aprenda com nossos erros e faça sua vida valer a pena. Liberte-se e siga seu caminho.

Uma paz profunda seguida de um sentimento de felicidade e leveza inundou todo seu corpo. Não sei se foram eles ou não, mas sabia o que deveria fazer. Cada um deveria mudar para uma vida melhor e mais saudável. Não faz o mínimo sentido estragar a vida para manter os outros na vida doentia e infelicidade. Eles são adultos e deveriam buscar o prazer de viver. A decisão era:

  • Matar sua vida e manter seus familiares numa vida de ilusões, doenças e infelicidade.
  • Manter seus projetos de vida e dar a oportunidade de seus familiares saírem da prisão emocional e da vida de ilusões que construíram.

Pegou o volante e voltou para a estrada sabendo o que deveria fazer. Sua criança interna sorriu neste momento. Seus olhos recuperaram o brilho que havia desaparecido desde a notícia do problema do seu pai.



Dr Fernando de Freitas